O Centro Carter, um dos poucos observadores internacionais do processo eleitoral na Venezuela, disse nesta quinta-feira que as atas eleitorais coletadas pela oposição são "consistentes". À Folha, o órgão afirmou que o candidato opositor, o ex-diplomata Edmundo González Urrutia, venceu de maneira clara e "por uma margem intransponível".
A organização também declarou que os resultados apresentado pelos opositores consistem com uma pequena amostra de dados coletados por seus observadores em campo no dia da votação. Com isso, o Centro Carter garantiu que "não há dúvidas" da vitória real da oposição. Em depoimento à Folha, o órgão disse que o Poder Eleitoral na Venezuela não é imparcial e não agiu de maneira independente.
— O chavismo está impregnado no Estado venezuelano de tal forma que está presente nas instituições que deveriam ser independentes — disse Ian Batista, analista eleitoral na missão de observação do Centro Carter. — Não há instituições que poderiam balancear os poderes. A Constituição prega algum nível de independência, mas como o chavismo está impregnado em todos os lugares, eles controlam todos os altos cargos.
Na semana passada, após o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) venezuelano declarar a reeleição de Maduro, o Centro Carter afirmou que a eleição presidencial na Venezuela não atendeu aos padrões de imparcialidade democrática. Com base em 80% das urnas apuradas, o CNE disse que Maduro obteve 51,2% dos votos contra 44,2% de González Urrutia. A oposição, no entanto, anunciou pouco depois que o diplomata derrotou Maduro por ampla margem (67% contra 30%).
Diversas organizações internacionais e representações diplomáticas cobraram uma auditoria do resultado e a divulgação dos dados totais das urnas — incluindo o Centro Carter, que, na segunda-feira passada, pediu ao CNE que publicasse "imediatamente" as atas. O secretário-geral da ONU, António Guterres, instou o governo de Maduro a contar os votos "com total transparência" e a liderança política a agir "com moderação".
Sete países europeus, incluindo a Espanha, uniram-se aos EUA, Noruega, Colômbia, México, Brasil e outros que exigem do chavismo a divulgação pública das atas oficiais de todas as mesas de votação. As divergências entre o governo venezuelano e a oposição desataram alguns dias de protestos no país, que estimularam uma repressão que deixou estimados entre mil e 2 mil presos e 24 mortos.
Nesta quarta-feira, dias depois da administração do chavista afirmar que ainda não apresentou as atas porque o sistema eleitoral da Venezuela foi alvo de um ataque cibernético, o Centro Carter também declarou que "não há evidências" sobre isso. À AFP, Jennie Lincoln, chefe da missão de observação do Centro Carter, disse que "empresas monitoram e sabem quando há" invasões de hackers, mas que isso não aconteceu.
— A transmissão dos dados de votação é por linha telefônica e telefone via satélite, e não por computador. Não perderam dados. Apesar de o campo de jogo ter sido bastante desigual, o povo venezuelano foi votar. A grande irregularidade da jornada eleitoral foi a falta de transparência do CNE e a flagrante inobservância de suas próprias regras do jogo quanto a mostrar o verdadeiro voto do povo.
Ao GLOBO, a líder opositora María Corina disse reconhecer o esforço do governo brasileiro, juntamente com a Colômbia e o México, para criar um espaço de mediação entre as partes. Ela deixou claro, no entanto, que não pretende recuar "um milímetro" na reivindicação de que seja reconhecida a vitória do González Urrutia — e ofereceu ao Brasil o acesso às atas eleitorais que diz ter em seu poder.
— É importante que todas as vozes independentes, com credibilidade, que querem evitar a escalada de um conflito violento da Venezuela, possam se envolver e contribuir para que a verdade prevaleça — afirmou María Corina, que também enfatizou: — Obriguem o regime a entregar suas atas. Essas atas seriam a prova da fraude. (Com AFP)
Fonte: O Globo